AUDIOVISUAL EXPERIMENTAL ARGENTINO
curadoria de Paulo Pécora
O cenário do audiovisual experimental argentino está se tornando cada vez mais amplo, rico e diversificado. Por mais de uma década, artistas e realizadores de diversas disciplinas têm encontrado na pesquisa cinematográfica e na criação de vídeo um espaço propício para a realização de suas propostas audiovisuais, explorando técnicas, renovando recursos e utilizando uma variedade de suportes e ferramentas, desde o filme até a inteligência artificial.
Em alguns casos, sua busca é pela essência específica do cinema, independente de qualquer herança narrativa ou linguagem preexistente. Em outros, a pesquisa se concentra nas possibilidades expressivas do vídeo e do suporte digital. Em todos eles, prevalece uma subjetividade que exige novas formas de perceber e representar o mundo, assumindo riscos técnicos e estéticos e refletindo constantemente sobre a natureza e as potencialidades dos meios que possuem ou têm à disposição.
A Mostra "Audiovisual Experimental Argentino", que acontecerá em Florianópolis como parte de uma nova edição do festival Strangloscope, tem como objetivo capturar e transmitir pelo menos parte da variedade e riqueza dessa efervescência, oferecendo um programa de oito obras realizadas nos últimos anos em formatos de Super 8 e 35mm, em vídeo analógico, digital e até mesmo usando inteligência artificial.
Muitos desses realizadores vêm das artes plásticas, fotografia, cinema, pesquisa científica, música, jornalismo, preservação, design gráfico, atuação e montagem. Talvez seja dessa diversidade de origens que venha a heterogeneidade dos temas que abordam, de suas decisões estéticas, da diversidade de suas experimentações técnicas e de sua busca por novas linguagens.
Por exemplo, em "Phykos", a artista plástica e realizadora Paula Pellejero continua uma pesquisa iniciada há anos sobre as possibilidades de intervenção no celuloide, aderindo pedaços de algas marinhas a material de filme transparente para criar imagens esféricas, texturas vivas, coloridas e abstratas. Muitos outros como ela desenvolvem seu trabalho manipulando material de filme, pintando, riscando e alterando fisicamente e quimicamente o filme.
Embora o cinema experimental argentino seja predominantemente expresso em formatos de passagem reduzida, o realizador e montador Pablo Mazzolo trabalhou com filme de 35mm para criar "The newest olds", uma experiência sinestésica que, como em seus trabalhos anteriores, explora diversas técnicas de registro e impressão com base nas possibilidades mecânicas e ópticas da câmera.
Em "Época es poca cosa", Ignacio Tamarit e Tomás Maglione se aproveitam da facilidade de uso da câmera Super 8 para criar uma sinfonia urbana em detalhes planos e geométricos, onde o movimento contínuo gera ritmo, intensidade e abstração. Outros trabalhos em Super 8 incluídos nesta exposição são "Histéresis", de Ana Villanueva, e "Odisea", de Daniela Cugliandolo, nos quais a busca poética é atravessada pela hibridização entre as qualidades do suporte fílmico e alguns recursos sintáticos do vídeo.
A mistura de formatos e técnicas também está presente em "Intima", de Gustavo Galuppo Alives, uma incursão do docente e pesquisador no uso da rotoscopia experimental, com base em impressões em papel de imagens que são posteriormente manipuladas, pintadas, amassadas e rasgadas para gerar reflexões filosóficas e atmosferas sombrias em vídeo.
Em "Lick Fire", do americano radicado na Argentina Jeff Zorrilla, o realizador aproveita suas recentes experiências com o uso de inteligência artificial, narrativa autobiográfica e o mundo da imaginação e dos sonhos.
Por fim, em "Patrón de prueba 14: Interferencia", o pesquisador, técnico e realizador Javier Plano utiliza sintetizadores analógicos de áudio e vídeo para criar uma obra baseada em ruídos eletrônicos e interferências visuais que produzem um crescente de ritmo e abstração.
Patrón de prueba 14: Interferencia, de Javier Plano (2022).
Uma peça audiovisual abstrata realizada em uma única tomada, utilizando três sintetizadores analógicos de áudio e vídeo. Nela, são exploradas diversas instâncias de ruído eletrônico, como a estática e diversas interferências; também diferentes interações de síntese analógica e processamento digital ao vivo, partindo de um único gerador que é refletido tanto na imagem quanto no som simultaneamente. Esses elementos são adicionados e sobrepostos de forma rítmica, de modo que, à medida que o tempo avança, eles formam uma cacofonia que possui uma estrutura igual de ordem e caos.
Phykos, de Paula Pellejero (2023)
"Phykos" faz parte de uma série de filmes que exploram a cor e a forma em movimento a partir de elementos orgânicos, buscando o olhar em fragmentos mínimos da paisagem. Este filme é elaborado com algas, tintas naturais, aquarela e acrílico em filme 16mm.
Intima, de Gustavo Galuppo Alives (2023).
A luz se torna enlouquecida e os espectros se espalham por todos os lugares. Um homem parece estar testemunhando o fim de todas as coisas, até mesmo apressando-o. Esta é a primeira parte do Projeto Phantasmorasi, uma série de obras realizadas a partir de intervenções físicas em impressões em papel.
Época es poca cosa / Época é Pouca Coisa, de Ignacio Tamarit e Tomás Maglione (2021).
Uma câmera tenta se conectar com objetos urbanos que herdaram um componente animado. Esses elementos, desconectados entre si, estão relacionados através do movimento da câmera e da montagem, que atravessa a cidade em busca de sua forma definitiva.
The Newest Olds, de Pablo Mazzolo (2022)
"The Newest Olds" transforma os icônicos cenários urbanos de Detroit, deslocando os edifícios de suas fundações e colapsando as fronteiras físicas, políticas e sensoriais entre o Canadá e os Estados Unidos através de técnicas de impressão alquímica, em câmera e óptica.
Histeresis, de Ana Villanueva (2021)
A continuidade de um discurso que multiplica sua materialidade. Uma mulher entra em cena e percorre o quadro, sem saber que os limites do enquadramento se transformam em sua própria armadilha. A continuidade da multiplicidade sucessiva e excessiva dessas mulheres representa a memória que transita entre o passado e o futuro, em um constante devir. O trânsito do diferente gira em direção ao homogêneo e começa a crescer o sentimento do mesmo, do idêntico. O espaço e o movimento, os vazios na memória que se enchem até invadir tudo, para então se esvaziarem por completo. O corpo se torna efêmero, e o questionamento sobre nossa existência adquire um peso revelador.
Odisseia, de Daniela Cugliandolo (2016)
Os múltiplos significados da água, de embarcar, estar em viagem, ansiar pela costa. Este curta-metragem se inspira na Odisseia de Homero, uma epopeia sobre aventura, nostalgia e sobrevivência, também em Ulisses, ícone submerso nas vicissitudes da existência humana.
Lick Fire, de Jeff Zorrilla (2023)
Através de reflexões pessoais, "Lick Fire" explora as alegrias e lutas que surgem do vasto reino da imaginação, ao mesmo tempo em que reflete sobre as futuras implicações da inteligência artificial em dar vida a esses mundos imaginários.